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quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

A vênus negra e os museus

Tal fênix renasce das cinzas, meu blog ressurge. E o mote para esse retorno são duas das minhas paixões: cinema e museu. A última postagem aqui publicada referiu-se à repatriação das coleções dos museus europeus ou norte-americanos para seus países de origem. Acabo de assistir um filme que tangencia essa problemática contemporânea ao narrar a biografia de Saartjie Baartman, africana da etnia hotentote que, no século XIX, deixa o Cabo (hoje África do Sul) rumo à Europa, acompanhada de seu senhor branco, com  a promessa de enriquecer atuando em um circo. Sarah acaba sendo forçada a exibir seu corpo em espetáculos em Londres e Paris, servindo de atração para os olhos brancos europeus ávidos pelo exótico proveniente dos continentes neocolonizados. Com direção de Abellatif Kechiche e tendo Yahima Torres no papel principal, o filme francês, belga e tunisiano, lançado em 2010, aborda a curiosidade européia diante deste outro, proveniente da África e que apresenta características anatômicas peculiares que suscitam a curiosidade. Onde os museus entram nessa história? Os cientistas do Museu do Homem de Paris também vão se interessar pela vênus hotentote e vão tentar investigá-la - evidentemente no âmbito dos parâmetros da ciência da época, calcada na frenologia e na craniometria, embora esta se recuse a expor a intimidade de seu corpo. O drama de Sarah apresentado no filme, além de mostrar a crueza e o sofrimento impetrados pelos brancos aos africanos desterritorializados, toca no desencontro entre  diferenças étnicas e de gênero, onde o corpo é usurpado por meio da exposição ao olhar, seja um olhar sexualizado, seja um olhar científico que almeja o conhecimento sobre o outro. O filme corporifica o drama vivido por muitos africanos submetidos a esse olhar, a exemplo daqueles que foram fotografados para nutrirem o gosto europeu por imagens do exótico ou para finalidades científicas, quando não foram diretamente expostos, como no caso de Sarah. Os restos e registros da vênus hotentote produzidos pelo Museu de Paris foram devolvidos à África do Sul nos anos 1990, quando os museus intensificavam esse debate internacional. Como menciona o filme, ao mostrar esse movimento contemporâneo, o mal feito à Sarah não pode ser reparado, mas, ao menos, seus restos podem hoje descansar em paz nas terras de seus antepassados.
Para ver o filme: http://filmesonlinetocadoscinefilosvideos.blogspot.com.br/2013/08/venus-negra-2010-direcao-abdellatif.html