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sábado, 24 de julho de 2010

Mandela e o Perdão

O melhor serviço feito pela Copa de 2010 foi chamar a atenção para a África do Sul. Eu sabia muito pouco sobre esse país. Claro que não tinha uma visão estereotipada, pois sabia ser um país desenvolvido em termos econômicos. Mas além da luta vitoriosa de Mandela sobre o apartheid, quase nada sabia. A Revista Piauí, da qual virei leitora assídua há cerca de um ano, fez uma bela reportagem sobre o país que sediaria a Copa. Ali estão escancarados os malefícios de uma copa para o país sede (lamento, mas não vou ovacionar o fato de sermos sede em 2014). Além de ter torcido ardorosamente ao lado de meu pai pelo Internacional tri-campeão na década de 1970, nunca preocupei-me muito com futebol. Ah, sim além de verificar que a paixão nacional acabou por constituir-se em item indispensável do "kit identidade" brasileiro.
Foi isso, segundo o filme que acabo de assistir, que Mandela soube perceber. Invictus, com direção e produção de Clint Eastwood, fala do esforço de reconstrução do país após a vitória do líder negro nas urnas. Mandela tinha atrás de si um país dividido entre negros e brancos. Interpretado magistralmente por Morgan Freeman, Mandela passa a pregar o perdão entre seus companheiros. Sabia que necessitava encontrar uma via pacífica de construção da nação, agora, sob bandeira da harmonia social. Caso contrário, poderia ver seu esforço ir por água abaixo. Como arrefecer o ódio entre negros e brancos forjado historicamente pela opressão, desigualdade e violência? Mandela encontrou no rugby uma estratégia de unir a todos sob o signo de uma única identidade. Que a idealização da figura de Mandela e da situação histórica são procedentes não se pode negar. No entanto, o filme chama atenção para o lugar simbólico da construção imaginária da nação. Se ela não existe na realidade, precisa-se de símbolos para objetificá-la. O rugby foi um desses símbolos para construir a nação sul-africana pós-apartheid. Assim como o futebol é símbolo nacional brasileiro, quer gostemos ou não. Mas o mais importante no filme, a despeito da construção mítica do herói, é Mandela exortar o perdão entre seus seguidores e admiradores. Alguém que ficou trinta anos preso numa cela minúscula, após chegar ao poder ao invés de insuflar o ódio e a vingança, prega o perdão. Sem o perdão, não haveria construção do país, nem da nação. Pela Piauí, citada acima, pode-se saber algo sobre as concessões feitas ao poder econômico dominado pelos brancos para se alcançar a vitória contra o Apartheid. O filme não esconde a desigualdade econômica que marca o país mesmo pós Mandela. As notícias da Copa também deixaram aqui e ali algumas notas sobre pobreza, violência e criminalidade, estas últimas neutralizadas com julgamentos sumários no período dos jogos. Mas esse não é o foco do filme, nem de Mandela. A atenção do personagem principal recai sobre o plano simbólico, para algo considerado sem importância por seus assessores. O líder negro, deseja agora ser lider da nação. Da nação unida por algo acima de todos, acima do passado. Esquecer o passado e perdoar! O filósofo Paul Ricoeur dedica o terceiro capítulo do seu último livro para falar de memória, esquecimento e perdão. Em História, memória e esquecimento o autor menciona a necessidade do perdão. Trata especificamente dos crimes do Holocausto. Certamente, o apartheid pode ser pensado a partir das mesmas considerações filosóficas. Para Ricoeur o perdão é um dom, algo que se presenteia a alguém sem exigir condição em troca. O perdão, no entanto, não implica em esquecimento, mas na possibilidade de seguir vivendo. Fiquei curiosa para ver como um país como a África do Sul lida, após uma década de fim oficial da divisão entre brancos e negros, com a memória e o esquecimento desse período triste de sua história. Quiçá os governantes não tenham feito como no Brasil, onde a documentação sobre a escravidão foi destruída sob alegação de se esquecer esse episódio funesto da nossa história.

sábado, 27 de março de 2010

Quem se importa?

Quando retornei de Santa Catarina no final de janeiro, vi estarrecida o descampado que ocupava o lugar do Estaleiro Só demolido. Já que aquela construçao nao foi preservada, pensei como seria maravilhoso se pudéssemos percorrer a beira do Guaíba sem obstáculos à vista. Quem sabe um parque, apenas alguns canteiros,quem sabe algumas árvores, alguns banquinhos... É sonhar demais? Fiquei imaginando seis torres de concreto ali, tapando minha vista. Mas quem se importa? Felizmente, alguns se importam e muito. Esta semana alguém me enviou um texto de uma pessoa que se importa: Tania Failace, escritora e jornalista. Passo o link sobre texto seu sobre o Cais Mauá: http://www.vitruvius.com.br/minhacidade/mc294/mc294.asp. Mas quem quiser mais, pode recuperar a memória do movimento pela preservaçao da orla em http://www.vitruvius.com.br/minhacidade/mc234/mc234.asp e se informar sobre o que estou falando no início desta post.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Signicidade

Lendo matéria sobre jornalismo literário do Jornal da Universidade (dezembro 2009/UFRGS), encontrei a dica do site revistabrasileiros.com, que se pautaria por essa proposta. Sem querer tecer comentário sobre a Revista, por enquanto, ali localizei o comentário de João Paulo Lorenzon sobre o livro de poesias Signicidade, de Frederico Barbosa. Seu tema: a cidade. Ainda nao o tive nas mãos, mas assim que tiver oportunidade mergulharei nas suas páginas, cujos poemas, pela amostra deixada no site, promete diferenciados olhares para a cidade. O texto na íntegra segue abaixo:

"Enxergar é um luxo e nós nem temos ao menos que pagar por isso." Assim dizia o poeta e pintor inglês William Blake e, de alguma maneira, é este o convite que o livro de poemas SigniCidade oferece ao leitor: um exercício do olhar.

A nova obra do pernambucano Frederico Barbosa, poeta, professor de literatura, amante de Poe e Baudelaire, é uma parceria com o Projeto Dulcinéia Catadora. Louve-se a ideia. Entre outras intenções, o projeto consiste em publicar livros com capas pintadas a mão por artistas e filhos de catadores de papelão e materiais recicláveis. No caso de SigniCidade, nada mais propício. A arte dialoga fortemente com o tema desta antologia.

Os poemas de Frederico Barbosa adentram as cidades e vasculham seu entorno. Lá estão ruas, ruelas, becos, esquinas, túneis, viadutos. Nessa incursão, o olhar do poeta convida para ver a cidade como construção humana, abismo de caminhos escuros e luminosos, paisagem contraditória, reflexo concreto do mundo contemporâneo.

Com sua perspectiva ao mesmo tempo amorosa e crítica, Barbosa aponta a dureza e a aridez da existência perdida nos labirintos das metrópoles e o prazer que existe na multiplicidade de vida dentro desse ícone construído pelo homem.

Centrados em São Paulo, sua cidade de adoção, e em Recife, onde o poeta nasceu, os versos passeiam por lá e cá. Mas não se limitam a essas capitais. Transcedem a elas, revelam uma cidade anterior, inominável. Cidade-signo que emerge às nossas vistas, que nasce a cada dia e é redescoberta em fragmentos de olhares. Cidade-mosaico de vida, de sons e sentidos.

SigniCidade consegue um delicado equilíbrio. A um só tempo, homenageia essa floresta urbana e revela uma observação severa dessa dura paisagem em tempos abismados. Mas o que se sobressai é o desejo de olhar e as reflexões a que esse olhar convida. Como escreveu Marcel Proust no clássico Em Busca do Tempo Perdido: "A verdadeira viagem não está em procurar novas paisagens. Mas em ter novos olhos".

AS CIDADES E SEUS DONOS
2002
"há cidades desconfiadas
impessoais misteriosas
recife são paulo
em que se mora por empréstimo
de aluguel de passagem
sem se sentir dono
como inquilino temporário
mas que ninguém tem

há cidades que por mistério
se entregam por inteiro
salvador rio de janeiro
em que cada morador
é proprietário verdadeiro
em que todo o povo
sente-se e afirma-se dono
em todo gesto no menor jeito"

O que tramam as trilhas da cidade para o observador da esquina? E o que trama o observador da esquina para as trilhas da cidade? Estas são as indagações.